O Metrô




17:00. Desliga o computador, aguarda o leve sinal sonoro do Windows avisando que o programa está definitivamente encerrado. Pega sua bolsa, guarda nela o livro que deixou o dia todo em cima da mesa e sai da sala, rumo à registradora eletrônica de ponto, para ali encerrar oficialmente mais um dia de trabalho. Cumprimenta alguns conhecidos que encontra por ali, jogando conversa fora enquanto esperam algo. Passa seu crachá, guarda-o na bolsa e sai dos domínios da empresa, rumo ao elevador que o levaria do 15° andar ao térreo, para a luz do sol. Corredor vazio. Ótimo, não tinha a intenção de conversar. Sua cota de assuntos triviais para quebrar gelo já se encerrara há algumas horas, e tudo o que queria naquele momento era o silêncio libertador do fim do dia, permitido apenas àqueles que sabem que o dia seguinte será religiosamente igual ao anterior, e assim sucessivamente, até que o próximo fim de semana venha com a carta de alforria que dá a falsa sensação de liberdade que a vida pessoal nos faz acreditar termos. 

Entra no elevador, que também está vazio. E vazio permanece até o térreo, de onde sai sem cumprimentar ninguém em direção à porta. Ainda de dentro da recepção pode ver a rua, agitada como sempre. Sai pela porta que o recebe todos os dias pela manhã, e logo de cara esbarra com um universitário que passa distraído ouvindo sua música no fone de ouvido. Educadamente o rapaz pede desculpas e pergunta se o machucou. Apenas agradece e diz para não se preocupar-se, pois estava bem. Queria ter perguntado ao jovem que música ouvia com tanta concentração que o fez desligar-se do mundo externo, mas pensou que o rapaz poderia entender sua pergunta como uma repreensão pelo esbarrão, e deixou como estava. Mas ficou curioso. Queria saber apenas qual era a canção que tinha esse poder de desligar do mundo qualquer pessoa mentalmente ativa, para escuta-la e fazer dela seu hino. 

Segue pela rua, enquanto observa os bares já cheios de pessoas aparentemente alegres, que bebem enquanto conversam coisas sem sentido. Chega à estação de metrô onde, assim como em todos os outros dias, embarcaria sentido seu bairro, comum como qualquer outro. Conhece bem aquele espaço: uma entrada pequena sem qualquer glamour, de arquitetura básica, sem qualquer decoração, com uma porta quadrada simples, escadarias de cimento que levam às bilheterias e, ao fundo, as catracas que dão acesso à plataforma onde tomaria seu vagão normalmente. 

Desce as escadas sem olhar para frente para evitar qualquer contato visual com qualquer pessoa, evitando assim o risco de encontrar conhecidos com quem teria de trocar novos papos furados, o que absolutamente não queria naquele momento. Se dirige à bilheteria e pega a fila, esperando sua vez para comprar o bilhete de volta. Sempre pensava como era estranho o fato de um pedaço de papel que nem sabia dizer de qual tipo seria era seu passaporte a um outro ambiente, aquele a qual realmente as pessoas almejavam quando ali entravam. Sim, pois não deve haver pessoa que entre numa estação de metrô com a única finalidade de passar um tempo ali, observando o movimento. Não em plena consciência, talvez. Todos os que adentram uma estação querem apenas esfregar seus traseiros numa catraca fria de metal e descer à plataforma, para embarcar em qualquer linha de metrô que lhes dê acesso ao seu destino. E era isso que ele queria: chegar ao seu destino. Não tinha porque perder tempo com coisas supérfluas naquele momento. Aliás, perder tempo era uma das coisas que mais evitava fazer. Não que fosse atarefado, mas gostava de parecer ser. Assim parecia ser mais respeitado. Gostava de andar depressa como todos os outros. Não que tivesse pressa, mas assim pareceria importante, como os demais gostavam de parecer serem. 

Perdido em seus pensamentos nem observou quando chegou sua vez de ser atendido por uma bela moça de olhos claros e cabelos negros que o olhava atentamente, esperando que fizesse seu pedido. Sua cabeça pensante se concentrou na jovem, a única que o olhava atentamente há dias. Não pode deixar de observar a sobrancelha volumosa combinando com o cabelo escuro e o sinal preto no canto esquerdo da boca, que contrastava com a pele tao clara. Concentrou-se na boca vermelha e volumosa da jovem, e viu quando seus lábios se moveram e pode ver seus dentes incisivos grandes, maiores que os demais, o que, combinado com a pinta preta no canto da boca, dava à jovem uma aura ao mesmo tempo infantil e maliciosa

"Posso ajudar?", disse friamente a moça, interrompendo completamente sua análise da personalidade física da garota, que agora parecia perder todo o encanto, já que havia sido chamado ao mundo real quando a moça o fez lembrar do motivo pelo qual estava ali: comprar um bilhete de metrô, e nada mais. "Um unitário, por favor", respondeu sem olhar nos olhos da pobre jovem, que recebeu de suas mãos o dinheiro e entregou logo em seguida o bilhete, já olhando para o próximo da fila para não perder tempo. 

Passou pela catraca gelada e desceu as escadas rolantes sentido a plataforma, que já estava lotada de pessoas desconhecidas e comuns, que assim como ele iam a algum lugar. Para onde? Cada um sabia, ou devia saber, onde ia. Cada um ali, com sua vida, sua história, seu passado e planos de futuro devia saber o que queria ali realmente: ir à faculdade, ver os pais, chegar em casa, namorar. Ele iria apenas para casa, para voltar a ser o solitário de sempre e aguardar em frente a TV sua hora de dormir para, no dia seguinte, iniciar tudo novamente. 

Desceu as escadas e posicionou-se onde pode, para ter ao mesmo tempo a visão da vinda do vagão e poder observar os que desciam a escada. Não que esperasse alguém, mas gostava de observar os rostos dos desconhecidos. Disfarçava, claro, desde a vez em que fora abordado por um dos seguranças do metrô, que suspeitou de seus movimentos suspeitos ao pé da escada, olhando um por um como quem procurasse alguém. Continuava a observar as pessoas, mas de canto de olho, como se não olhasse para lado nenhum. Foi assim, observando aquela multidão de caras desconhecidas, que viu o rosto dela. Apertou os olhos para ver de novo. Tentou lembrar se havia bebido, mas não, pois estava voltando do trabalho. Olhou novamente para ter a certeza de não a estar confundindo com outra comum desconhecida. Mas não estava. Realmente era ela quem estava ali. Mas como assim? Por que exatamente naquele lugar e naquele momento? Há quantos anos não a via? Fez as contas rapidamente e chegou a dez anos. Sim, haviam se passado dez anos desde a última vez em que a vira. Ainda tinha nítida a lembrança daquele momento, em que ele sempre julgara ser a última vez em que a veria, quando ela virara as costas e seguira pela rua, se perdendo entre as pessoas após dizer-lhe que seria melhor para ambos se cada um seguisse sua vida. Aquele momento fora um divisor de águas em sua vida. Ao perdê-la de vista na rua, perdera também seu chão, suas colunas, suas paredes. Desde aquele dia sentia-se em solo lunar, flutuando sem saber para onde ir e nem como chegar a qualquer lugar. Ela levara junto consigo a força da gravidade psicológica que mantém nossos pés no chão e nossa mente em foco. Depois de três anos compartilhando momentos bons e ruins, experiências boas e outras desastrosas, momentos constrangedores e outros bastante acolhedores, brigas e sexo, aquela conversa numa calçada encerrara uma parte de sua vida, a mais produtiva, a mais significativa, e sem saber ela o havia empurrado ao um fosso de ostracismo e inércia, a qual ele fazia questão de honrar todos os dias com sua vida oca e sem sentido. 

Ao vê-la ali, descendo as mesmas escadas por onde ele havia acabado de passar, sentiu seus olhos virarem e seu estômago embrulhar. Não necessariamente embrulhar. Só naquele momento entendeu o que a expressão "borboletas no estômago" queria dizer. Não sabia como reagir. Só sabia que não a deixaria vê-lo. Bom, naquela imensidão de pessoas, seria realmente quase impossível que ela o visse ali, até porque provavelmente ele era a última coisa que passava na cabela dela. Com essa certeza em mente sentiu-se mais a vontade para observá-la, e perceber que o tempo não a havia mudado em nada. Seu rosto ainda tinha as formas arredondadas que ele tanto acariciara, e seus cabelos pretos ainda pareciam tão bem cuidados como antes. Estava séria, mas não pode deixar de lembrar de seu sorriso, com dentes brancos e bem alinhados, apesar de pequenos, o que lhe dava um sorriso quase infantil. Será que ela ainda formava covinhas no rosto quando sorria? Seu corpo ainda estava em forma. A camisa branca que usava era pouco para esconder o formato do corpo que ele tanto desejara e possuíra quando estavam juntos. Os seios pareciam ainda do mesmo tamanho, pequenos e firmes, nos quais ele adorava pousar a cabeça para assistir filmes que ele não entendia nas tardes de domingo, enquanto comiam pipoca com gosto forte de manteiga. A calça preta social também deixava em evidência os quadris nos quais ele tantas vezes colocara as mãos para agarrá-la, nessas demonstrações públicas de posse que os casais apaixonados adoram fazer. Ela ainda continuava linda e sexy como fora há dez anos atrás, e se lembrou de quantas vezes sentiu ciúmes ao pensar que aquele corpo maravilhoso, que lhe pertencia, andava sozinho no dia a dia, à mercê de olhares tarados sedentos por sexo fácil. Lembrou de quantas vezes lhe aconselhara a tomar cuidado com as ruas e com o metrô - que ironia! - onde sempre haviam maníacos que se aproveitavam do calor da multidão para praticar suas obscenidades em mulheres indefesas. Lembrou também que ela ria a cada conselho que dirigia à ela, talvez o considerando bobo por pensar que ela fosse uma simples jovem indefesa, e não uma mulher cheia de atitude e que sabia muito bem se defender sozinha, como sempre fora. 

A cada passo ela se aproximava mais da plataforma, e de onde estava, o encontro seria inevitável. Por isso saiu de onde estava e atropelou meio mundo para procurar um lugar de onde ela não pudesse vê-lo. Saiu andando, ora pedindo licença, ora esbarrando e empurrando, e ao mesmo tempo olhava para trás para não perdê-la de vista. Não queria que ela o visse, mas não queria perdê-la mais uma vez entre a multidão. Viu quando ela completou seu percurso na escada rolante e parou, como se procurasse alguém. De onde estava seria facilmente observado, então tratou de continuar andando. Seguiu em frente, mas olhando para trás para não perdê-la de vista. Viu quando ela olhou em sua direção e começou a andar. Pronto, ela me viu, pensou. Desistiu de sumir e parou. Um homem ao seu lado protestou por estar na frente de seu campo de visão para o trilho, de onde veria quando o metrô chegasse, e resolveu voltar um pouco para trás. Criar tumulto ali naquele momento seria a pior forma de se esconder. Ela continuava vindo em sua direção e agora sorria. Ele fez como se não tivesse visto e apenas esperou que ela se aproximasse. Olhou para frente para ajudar no disfarce de homem desatento, e quando olhou novamente para trás viu que ela havia parado um pouco atrás, cumprimentando um rapaz que ele havia acabado de empurrar enquanto fugia dela. Viu quando ela o beijou na boca e se deixou ser abraçada por ele, aconchegando-se em seu peito e voltando seus olhos para o trilho do metrô, assim como todos os outros. É, ela não o havia visto. Sua simpatia e sorriso - com as covinhas de antes - haviam sido dirigidos para o outro homem com o qual ela estava agora, e com quem parecia feliz e confortável. Ele pensou que eram para ele, mas não. Assim como há dez anos atrás, ele novamente era uma pessoa como qualquer outra para ela, apenas mais um em meio a multidão de rostos desconhecidos. 

Seguiu mais à frente, para não correr o risco de embarcar no mesmo vagão que o casal apaixonado que esperava pelo mesmo destino que ele. Sim, o destino era o mesmo, mas os caminhos eram diferentes. Sentiu raiva de si mesmo por pensar que, assim como ha dez anos atrás, as coisas poderiam ter mudado e que pudesse receber novamente alguma atenção dela. Pensou que devia seguir com a própria vida. Iria mostrar a ela que ele também era competente o suficiente para seguir com a própria vida e, se ela havia encontrado outro homem para amar, ele encontraria uma outra mulher. Lembrou-se da atendente da bilheteria. Pensou em subir lá e, numa atitude completamente maluca, pedir-lhe em casamento sem nem saber ao menos o nome da garota. Pensou que poderia faze-la desistir da vida de atendente de bilheteria e levá-la a conhecer um outro mundo. Mas antes de qualquer coisa, queria ter uma outra mulher para passar por perto do casal que ainda estava na plataforma. Esbarraria nela de propósito com sua nova noiva que acabara de conhecer e usaria uma carga extra de conversas triviais, coisas do tipo "que coincidência", "quanto tempo", "nossa, você está tão linda quanto antes", "sim continuo no mesmo emprego", apenas para que ela visse que, se ela tinha seguido em frente, ele também. Mas o metrô enfim veio e jogou por terra todo o seu plano de vingança afetiva contra ela, que sequer sabia que ele estava ali, aliás que talvez sequer pensasse nele naquele momento. 

Entrou no metrô e encostou-se como pode em uma barra de ferro já cheia de marcas de outras mãos que ali já haviam se segurando antes com a certeza de que aquela composição, aqueles vagões e aquela estação eram a prova de seu fracasso como pessoa. Aquele ambiente era a prova de que ele havia parado no tempo e que nem havia percebido que dez anos haviam se passado desde o dia em que seu mundo havia caído. Talvez não fosse a primeira vez que ela tivesse usado aquela estação. Talvez passasse por ali todo dia. Talvez já tivessem se encontrado antes e ele nem a tivesse percebido. Talvez ela já o tenha visto em outras vezes e feito a mesma coisa que ele acabara de fazer. Mas isso não importava mais. Só ali se deu conta de que até aquele momento ainda continuava procurando um motivo para viver, um chão para pisar, um corrimão para segurar. Só ali percebeu que havia se transformado num ser amorfo, sem qualquer perspectiva na vida. 

E por isso decidiu: nunca mais entraria naquela estação de metrô.

Maria




Houve um tempo em que Maria havia desprezado as pessoas que queriam sua amizade.

Em nome de certos princípios morais que ela nem sabia ao certo se valiam a pena ser seguidos, Maria desprezou as pessoas. Preferia viver de acordo com uma certa crença estranha de que todas as pessoas eram inferiores a ela. Sim, Maria era arrogante. Para ela, todos eram seres preguiçosos que queriam apenas as coisas de um jeito fácil, enquanto ela sim dava realmente o devido valor à vida. Ela preferiu não se misturar. Enquanto todos conversavam, Maria reprimia as risadas e condenava toda aquela alegria. "Enquanto vocês conversam e se distraem o mundo está girando, e a vida está passando", dizia ela em tom de reprovação. Aos poucos, as pessoas passaram a se afastar de Maria. Diziam que qualquer pessoa no mundo conseguia ser mais agradável do que ela. E Maria não ligava, pois achava melhor não ter por perto gente que queria apenas "empurrar o mundo com a barriga".

Mas as pessoas se foram. Cada um dos antigos conhecidos tomaram seu rumo na vida. Os rapazes que viviam olhando os seios fartos de Maria se cansaram e foram namorar outras garotas. As amigas que tentavam sempre comentar o que tinham feito na noite anterior com o namorado foram embora. Os amigos foram trabalhar. A vida se foi. E Maria ficou.

Maria criticou tanto a infantilidade de seus amigos que esqueceu que dentro dela havia uma criança. Defendeu tanto o trabalho que se esqueceu que trabalhar é apenas a consequência, não a causa. Defendeu tanto a maturidade que se tornou uma pessoa rígida e fria. Maria queria tanto não perder tempo que não o aproveitou em nada. Defendeu tanto a vida que se esqueceu de viver.

Agora Maria descobriu que rir com amigos não é apenas coisa de gente preguiçosa e desocupada. Descobriu que uma noite com os amigos numa mesa de bar pode ser mais sagrada que qualquer culto religioso. Agora Maria sabe da importância de se viver em comunidade. Mas só agora, que Maria se tornou uma pessoa solitária. Maria sabe na pele o significado da palavra tédio. Sem querer, Maria descobriu o quanto a vida pode ser sem graça quando você não tem pessoas por perto. Descobriu como é ruim você não ter a quem ligar, a quem convidar para ir no cinema, a quem desejar feliz aniversário, a quem parabenizar, a quem contar suas vitórias. Maria descobriu enfim que inferno não é um lugar onde habitam demônios. Inferno é a ausência de pessoas.

Maria descobriu o significado da palavra solidão.

Sobreviver em Tempos de Guerra Interna


Todos nós temos nosso tempo de guerra. Não a guerra propriamente dita, com armas, mortes, prisões, tumulto, mas uma guerra silenciosa, imperceptível aos olhos dos outros, que acontece no maior campo de batalha do mundo: nosso psicológico. Todos nós travamos batalhas internas intensas, sangrentas mas sem sangue, contra nosso maior inimigo: nós mesmos. Ou talvez não. Nosso maior inimigo não somos nós mesmos. Nosso psicológico, sim, é nosso maior inimigo, às vezes mortal. O psiquê, nosso interior, é um campo de batalha que pode ser comparado aos maiores palcos de guerra já vistos na história da humanidade. E arriscaria dizer que nossas guerras internas são ainda mais crueis do que as grandes guerras mundiais, pois se essas chamam a atenção do mundo, que faz de um tudo para encerrá-las, nossas batalhas psicológicas são imperceptíveis aos outros, que nem sempre as entendem quando resolvemos falar o que se passa conosco. Todos nós alternamos na vida momentos de paz e momentos de guerra E nessa gangorra psicológica todos nós temos momentos em que parece que a solidão resolve se instalar de vez em nossa vida e nos acompanhar - olhe o paradoxo! - por onde formos. Tempos em que vemos pessoas nos abandonarem, amigos faltarem, amores sumirem. Tempos em que falta uma companhia para ir a um cinema, sequer. Tempos em que vemos todos terem seus motivos para recusarem qualquer convite nosso, e nos acostumamos tanto a isso que paramos de convidar. Tempos em que a única coisa que lhe resta é você mesmo, sozinho, e esse maldito coração arrasado por uma depressão horrível que insistem em martelar dia e noite avisando que você é um fracassado, inútil, derrotado e um ninguém, imprestável que não serve para nada à sociedade e que não faria a menor falta se sumisse. Aliás, são em tempos assim que sumir se torna uma opção bastante plausível. Mas sumir definitivamente. Encerrar de vez seu campo de batalha e embarcar rumo ao desconhecido no pós-vida. Vai que o Paraíso com ruas de ouro e cristal do Apocalipse realmente existe, pelo menos as coisas seriam um pouco melhores! Tempos em que tudo parece seguir caminho contrário ao seu, em que vê seus sonhos irem ralo abaixo, em que nada dá certo na vida, em que parece correr em cima de uma esteira: por mais que corra e canse, não sai do lugar. 

E o que fazer em momentos assim? Como encerrar essa guerra? Como chegar ao tratado de paz que encerra com a batalha mais longa da história da humanidade, a que se passa dentro de nós mesmos?

Não sei. Se soubesse, já teria encerrado a minha faz tempo! Mas sei o que fazer para sobreviver em tempos de guerra. Quando vivemos em guerra conosco, é imprescindível desenvolver recursos para se manter íntegro, com o coração inteiro, mesmo em meio ao turbilhão de pensamentos que rodeiam nossa cabeça todo dia. Todo o cuidado é pouco para que não "percamos a alma". 

Antes de tudo, entenda que nada nesse mundo é definitivo. Nem sua guerra interna é. Sim, por mais que não pareça, ela irá acabar em algum momento. Nossa vida é feita de fases, e uma fase ruim sempre acaba. Em algum momento você enfrentará uma fase boa, em que tudo dá certo, em que você tem alguém para compartilhar as coisas boas que você vive. Se você ainda não está nessa fase, tenha certeza de que ela virá em algum momento. 

Mesmo em tempos de guerra, há dias em que você se sente bem. Há um, dois dias na semana em que você acorda bem, feliz consigo mesmo e disposto a ser o melhor do mundo. Agarre-se nesses dias. Foque no dia em que você está bem, feliz, rindo com todos e feliz com a vida que tem. Quando o dia ruim vier, você terá uma lembrança mais forte do dia anterior bom e terá mais facilidade em focar num futuro mais tranquilo. 

Entenda que você não é o que seu psicológico lhe diz ser quando está mal. Nossa tendência é nos desvalorizarmos e nos sentirmos um lixo quando estamos nos nossos tempos de guerra. Mas saiba que você não é nem tão bom como acha ser quando está bem, e nem tão mau quanto pensa ser nos dias maus. Você é literalmente um "meio termo". Mas nos dias maus foque no seu lado bom. Lembre que há pessoas que, por mais que não pareça, gostam de falar com você e sentem sua falta. Mais: percebem quando você não está legal e se preocupam com isso. 

Dê espaço para as pessoas participarem da sua vida. Sim, há pessoas interessadas em conhecer melhor o que se passa com você, ou pelo menos conversar sobre sua rotina. Fale de você, o que você gosta, sua preferência musical, de que tipo de livros gosta, enfim, essas trivialidades poderosas para engatar uma conversa que pode se estender por horas. 

Afaste a amargura. Quem nunca se sentiu o injustiçado do mundo? Quem aí nunca pensou que o mundo conspira contra você e que todas as outras pessoas não passam de aproveitadores que usam de barganhas com a vida para conseguirem o que querem, enquanto você fica para trás por não se dobrar a tudo isso? Sim, isso é amargura. E amargura é mato, meu amigo. Cresce sem você ver e só percebe quando está alto, no meio do seu caminho impedindo sua passagem. Afaste pensamentos amargurados. As pessoas não são todas iguais e nem sempre quem se aproxima de você quer se aproveitar de algo e depois ir embora. Existem sim pessoas sinceras, por mais difícil que seja encontrá-las. 

Enfim, a única coisa confortante numa guerra é saber que num momento ela acaba, seja a Guerra Fria, a Segunda Guerra Mundial (bom, a das duas Coreias ainda não acabou, mas... Deixa pra lá!) ou a guerra que você trava o dia inteiro dentro de você. Tente se manter firme. Ouça músicas que gosta. Procure uma terapia com uma psicóloga de sua confiança e se abra.

E viva bem.