Será que deus existe?




Estou em uma nova crise de fé. 

Nasci em um ambiente bastante religioso ou, como diria um certo senhor autoproclamado cristão, em um lar "terrivelmente evangélico". Meu nome não é Weslley por acaso, aliás. A inspiração vem do  maior nome do protestantismo tradicional inglês, John Wesley, um dos criadores da Igreja Metodista - não, na época em que nasci o Safadão ainda não era famoso, talvez nem fosse nascido. Segui todo o ritual esperado de uma criança nascida em ambiente cristão: cantei no conjunto de crianças, me batizei aos 14 anos, cantei no conjunto de jovens, preguei em púlpitos, cantei, participei de congressos, tirei fotos com pastores, era admirado pelas irmãs do círculo de oração. Além disso, venho de uma família devota quase fanática da Assembleia de Deus, maior congregação pentecostal brasileira e a segunda mais antiga do Brasil. Meus avós e todos os tios foram batizados lá. Mais do que vir de uma família evangélica (ou "nascer em berço evangélico", como se diz por lá até hoje), cresci em um "Christian Way of Life", um estilo de vida baseado no pentecostalismo, que vai muito além de se declarar membro de uma igreja evangélica. Há todo um modo de se comportar, de pensar, de encarar a vida e as coisas em geral baseado no cristianismo pentecostal, que extrapola e muito os limites físicos da igreja. Essa é a diferença entre os "praticantes" e os "simpatizantes". Sei todas as palavras certas a serem usados nos momentos certos, todas as gírias evangélicas, todos os jargões, como pensam, as estratégias para cativar multidões. Conheço inclusive as "línguas estranhas" que os pentecostais gostam de usar em seus cultos. Sempre brinco que, se eu quisesse, poderia hoje mesmo me declarar pastor e abrir uma igreja. Com o conhecimento do modo cristão de vida, mais as técnicas de marketing adquiridas nos anos de experiência da profissão, em pouco tempo eu teria uma igreja forte em termos de público - e em arrecadação. 

Só que, com a adolescência e os desejos "impuros" da puberdade, além do ingresso no ambiente universitário, que me proporcionou contato com outras formas de pensamento, depois de conhecer a filosofia, a sociologia, ao conviver com pessoas de fora da minha bolha cristã e perceber que elas não eram tão satânicas como a igreja me havia feito crer a vida inteira, me permiti fazer algo até então impensável para um membro fiel de uma igreja evangélica:

Questionar minha fé. 

De início, e por muito tempo, me questionei apenas a forma como Deus era apresentado, como um homem controlador, que mantém o mundo em suas mãos, sob rígido controle, e pune ferozmente quem lhe desobedece, com doenças ou problemas sérios (o que é chamado de "pesar a mão") até que a pessoa se arrependa e passe a frequentar uma igreja evangélica. Questionei esse deus e, para minha surpresa, conheci diversas pessoas que também o questionavam. Não só pessoas, mas conheci igrejas que também questionavam o Deus sádico que sente prazer em punir. Enfim, resumindo 22 anos da minha vida em um parágrafo, tomei uma decisão que para muitas pessoas é algo simples e banal, mas que para mim foi a maior decisão da minha vida até então:

 Sair da igreja onde cresci 

Migrei para a Igreja Betesda, principal nome evangélico desse movimento que questiona o deus controlador dos pentecostais e apresenta um deus amoroso, parceiro e que sofre junto com a humanidade, um Deus que não intervém em nada por respeitar o livre arbítrio, mas que está ao nosso lado para apoiar e dar forças. Essa mensagem me convenceu e me manteve satisfeito em minha fé por um bom tempo. 

Só que, como humanos que somos, somos eternamente insatisfeitos, comecei a me permitir questionar inclusive essa mensagem do Deus frágil e sensível pregado pela nova corrente evangélica. Me permiti fazer uma simples pergunta: se Deus não me protege de nada, se Deus não me livra de perigos, se Ele não me protege de assaltos, assassinatos e toda a sorte de maldades desse mundo, se ele não cura doenças, se não fala comigo, tudo isso para "não interferir no livre arbítrio humano", por que eu preciso criar uma estrutura imensa, pesada e cara, para crer nele? Ou seja,

Para que crer em Deus? 

Na visão dessas igrejas, Deus passa a ser uma espécie de "amigo imaginário", para quem você conta todos os seus problemas mas sabe que não terá qualquer resposta. A função de Deus nesse caso é menos válida que a de um psicólogo ou de um coach, pois o profissional pelo menos te ajuda a encontrar caminhos a seguir. Se levarmos essa visão de fé ao pé da letra, Deus seria facilmente substituível por uma roda de colegas, por um grande amigo, por uma esposa ou marido parceiro. 

E novamente aqui estou em em minha crise de fé.

Crer ou não crer em Deus? Ele existe? 

Tenho sérios receios de declarar minha "não crença" em deus. Primeiro porque não estou no meu melhor momento psicologicamente falando, e a ausência da figura de deus faria eu me sentir sozinho demais criaria um vazio que não sei como preencher. Por maiores que sejam minhas dúvidas, ainda me sinto bem agradecendo a Deus no fim do dia,  ou pedindo a ele que me oriente quando estou em dúvidas. Se ele atende? Não sei, mas gosto de agradecer.

Essas crises são maiores aos domingos de manhã ou a noite, horários de culto na Igreja Betesda. Já faz alguns meses que não apareço na igreja, e a cada domingo me sinto um puco mais culpado por isso. Mas quando estou lá, as vezes me sinto meio deslocado, como se não conseguisse acreditar piamente da forma como as pessoas que lá estão acreditam.

Ainda não sei o que fazer. Essa não é uma questão crucial, que preciso resolver a toque de caixa, então o que vou fazer é

Esperar

Esperar até que eu me sinta orientado a fazer a coisa certa. Quem sabe o próprio Deus não me oriente. Sim, Deus, se você existe, essa é uma oração: me ajude, eu tô precisando.