(Atenção: o texto a seguir contém spoilers!)
Rachel é uma profissional de Relações Públicas que coleciona fracassos na vida: perde o casamento e ainda é obrigada a ver Anna, a nova mulher do ex-marido Tom morar na casa que um dia foi sua; se afunda cada vez mais em porres de gim-tônica e vinho de supermercado, o que a leva a perder também o emprego; divide com uma amiga um pequeno apartamento na pequena Ashbury, cidade vizinha a Londres, mas que logo se torna um peso, já que falta o dinheiro do aluguel. Some a tudo isso uma depressão em estágio avançado que mina qualquer força que ainda reste. A única distração de Rachel no momento é tomar todos os dias o trem para Londres e fantasiar histórias com as casas de beira dos trilhos que vê pela janela do trem no caminho. Não todas, na verdade, mas uma casa específica: a casa número 15 e seu casal de jovens moradores, a quem ela resolve chamar de Jess e Janson, mas que depois descobre se chamarem Megan e Scott. Jess e Janson tem, na história fantasiada na cabeça de Rachel, o casamento perfeito: se amam, se protegem e confiam um no outro. Mas, com o sumiço de Megan, Rachel acaba se envolvendo de forma inesperada com a vida do casal e descobre que há muito mais coisas além do que suas histórias inventadas pensavam existir; e o que parecia ser algo distante de repente vira parte da vida de Rachel, o que a leva a entrar num estado de confusão entre realidade e sua imaginação, tudo em meio aos porres frequentes e seus lapsos de memória, que a fazem entrar em situações cada vez mais constrangedoras e perigosas.
A Garota no Trem é o principal livro de Paula Hawkins, jornalista que trocou o Zimbábue por Londres aos 17 anos e que sempre teve curiosidade em saber o que acontecia nas casas à beira dos trilhos dos trens de Londres. Paula, que escreveu A Garota no Trem como sua última tentativa de emplacar uma história de sucesso, viu sua história tomar o lugar de nomes como O Símbolo Perdido na lista dos mais lidos da Europa, além de virar filme da Dreamworks, ainda a estrear.
Por prometer ser uma história de suspense elaborada e eletrizante, confesso que esperava um pouco mais do livro. Muito mais do que um romance policial, a história acaba se revelando uma narrativa cheia de elementos psicológicos das personagens, principalmente de Rachel, uma jovem depressiva e problemática que insiste em fazer parte de algo, mesmo que para isso tenha de cometer burrices desnecessárias ("você não pode evitar ser quem é, mas pode evitar fazer o que quer fazer"); Rachel se menospreza o tempo todo diante das pessoas com quem convive, e faz muito pouco esforço para se reinventar, característica dos depressivos. Além disso, há a Anna insegura consigo mesma que depende do amor de um homem para se afirmar e Megan, a jovem cheia de problemas internos que desconta todos seus demônios em relacionamentos superficiais. Isso sem falar em Scott, o controlador que quer ter a vida do outro em suas mãos o tempo todo.
Além disso, o livro é muito, mas muito pobre em descrições de lugares e pessoas - curioso que sempre reclamo das descrições cansativas em romances policiais, mas quando elas não existem fazem falta. Quase não dá pra mentalizar as personagens, apesar do esforço repetitivo da autora em mostrar uma Rachel feia e malcuidada, ante uma Anna bonita e sedutora, e uma Megan jovem e sexy. O enredo se mostra meio óbvio, principalmente por causa de umas pontas lançadas no decorrer do livro durante as narrações de Megan. Bom, pelo menos pra quem tem o hábito de ler romances policiais, a história soa meio clichê; parece ter sido escrita já com a finalidade de virar filme.
Mas nenhuma dessas críticas tiram o brilho de A Garota no Trem, uma história que conquistou milhares de leitores em 42 países não à toa; prende e te faz querer saber logo o desfecho da investigação. Li em 3 dias, em pé no ônibus, andando na rua, em casa - odeio ler em casa; faltei na academia e peguei ônibus com trajeto mais longo pra voltar pra casa, tudo pra ter mais tempo para saber qual seria a próxima burrada de Rachel.
Não espere em A Garota no Trem uma história complexa, muito bem elaborada, cheia de reviravoltas nem detalhes, mas recomendo a leitura. É uma ótima indicação inclusive para quem está se aventurando agora nos romances policiais e se perde um pouco em tramas mais profundas.
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